terça-feira, 23 de março de 2010

de uma autora desconhecida...


E está tudo rodando, rodando. Respirar tranquilamente, tarefa tão trivial, nunca pareceu tão impossível. Eu sufoco, mesmo livre. Eu me perco, aqui dentro. Eu danço entre convicções distintas, entre os (des)valores de uma vida, entre os olhos do moço do outro lado da sala, do outro lado do mundo, em outro continente. Eu conto casos, eu crio acasos, eu rodopio sem me preocupar para onde meus pés me levarão. E chego nele, naquele olhar faceiro. Me estranha, cheio de manha. Ah, menina, que faz aqui? É tarde, e amanhã tem aula. Que aula, seu moço? Aula de como viver, sem só(mente) existir? Aula de como fazer poesia da alma, já solta da ponta da caneta? Ah, seu moço, o que você sabe sobre mim? Eu sou uma farsa, uma mentira, um desaforo. Eu sou um momento de inconstância, meu. Aliás, vários deles. Fui feita pra ser lida, sem ser entendida - e não é difícil ler-te já que teus olhos correm de um lado para outro como se devorassem a minha expressão descrente de ti. Descrença no mundo, sabe? Não parece, mas já vivi muito, e nisto acrescento cair em poços profundos, bailar em Pasárgadas imaginárias, ser a menina-dos-olhos castanhos, cor da tempestade que chega. Ah, seu moço, você não entende. Continua querendo me decifrar, ainda que não haja mistério de esfinge nenhum. Eu sou clara. Não há o que procurar em minha inquietude, se anjos e demônios interiores são tão visíveis a olhos atentos. Ah, você está indo embora. Pena, seu moço. O primeiro senso é a fuga, seguido pelo medo do que (não) foi. Não quis que fosses o médico e eu, o monstro. Talvez eu já tenha morrido a morte de dentro, e antes do suspiro final, tenha acordado sobressaltada. Eu levanto da cama todos os dias, sem acordar. E, quem sabe, este meu monólogo disfarçado de telepatia seja apenas uma forma de espantar o ócio e criar uma Ilha dos Amores, para um repouso após tamanha empopeia interior. Ah, moço. Eu bem queria bradar ao mundo minha loucura, ver os espasmos de riso (in)consequentes e os pais afastando seus filhos pra longe daquela doida varrida. "Criador, cria e atura. Criador, acolhe agora sua criatura". E todos perguntariam se eu não tomo vergonha na cara por beber tanto e dizer tantas asneiras aos ouvidos ocupados das banalidades cotidianas. Ah, moço, as pessoas não se escutam mais. Às vezes, elas pensam ouvir uns sons agudos, sufocados numa covardia, fundida em receios e convenções. Logo desconversam, "era só uma dor de cabeça, tomo uma aspirina e passa". Dá e passa. Crê e faz. Pensa e fala? Não. Eu continuo, aqui, encenando uma peça para um teatro vazio. Foi-se a época de espetáculos baratos e atores desprezíveis. Que volte agora meu lirismo, libertação minha e da andorinha de Bandeira, que pensou ter passado o dia à toa. "Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste; passei a vida à toa”.

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